No século XV o teatro de Portugal ganhou um novo rumo a partir da aparição de Gil Vicente. Lembremos que naquela época estávamos numa transição entre duas escolas clássicas: o Trovadorismo ( sobre o qual tem um post mais antigo) e o Humanismo (sobe o qual ainda vou postar), e suas obras mostravam os traços do novo estilo literário (além das crônicas e poesias palacianas que também eram muito escritas). Antes dele o teatro existia na forma de representações religiosas, profanas, carnavalescas e imitações cômicas. Gil Vicente é considerado o rei do teatro português, pois antes os textos escritos não eram feitos com intenção humorística como os seus. Foram ao todo quarenta e quatro peças escritas e interpretadas ao longo de trinta e quatro anos. Nascido no século quinze, mas sem uma confirmação exata de datas ou de sua vida em si, o que se sabe é que foi no reinado de D. Afonso, e passou pelos reinados de D. João II, D. Manuel I, e D. João III. Presenciou fatos importantes para seu país naquela época como as grades navegações e o enriquecimento da nobreza, e registrava tudo como um repórter de sua época. Sua primeira obra de destaque foi o Auto da Visitação, popularmente conhecido como Monólogo do Vaqueiro (1502), escrita em homenagem ao nascimento do príncipe D. João e a ultima peça é a Floresta dos enganos (1536). Ele organizava as festas palacianas para entretenimento da corte e nelas, ele fazia críticas à todos os tipos da sociedade usando o humor como seu escudo. Ele fazia o público rir, como se aquilo não dissesse respeito à todos eles, enquanto na verdade ele falava tudo aquilo com o que discordava e achava errado. Escrevia autos (peças de fundo religioso) e farsas (peças cômicas, mas com críticas morais subtendidas). As suas obras são encenadas até hoje porque seus personagens ainda se identificam com as pessoas da nossa sociedade atual.
Sua obra mais popular é o Auto da Barca do Inferno, cujo próprio nome indica se tratar de algo ligado às crenças da época, além de ser composta por um único ato. Cada parte da peça se inicia com a chegada de uma nova alma até a praia onde estão as barcas, uma do céu com um anjo dentro, e outra do inferno, com dois diabos. Cada um se apresenta e é julgado. Eles chegam com objetos de valor em suas vidas e esses servem para ressaltar qual o "defeito" daquele tipo social. São eles:
Um fidalgo - a nobreza, soberbo, um
homem muito rico que nunca trabalhou. Acha-se no direito de ir para o céu por
vir de uma família rica e sua alma chega à praia junto com a do parvo, que é
seu empregado. Ele não teve tempo de se prepara para a morte, portanto por mais
que tente convencer os diabos vai par ao inferno.
Um onzeneiro - agiota ou ainda
banqueiro, representa a ganância. Ele dava golpes e ganhava em cima dos mais
fracos cobrando juros exorbitantes, e assim ganhava a vida arruinando a vida
dos pobres. Ele também tenta barganhar, mas ao ser julgado vai para o inferno.
Um corregedor- ou juiz, que julga
corruptamente, faz a “justiça” de acordo com as condições (dinheiro)
oferecidas. Exatamente pro representar a justiça entre os homens, se acha no
direito de receber a justiça divina, mas o que recebe é sua ida na barca do
inferno.
Um frade, ou padre, que chega com uma
moça - clero, não respeita os dogmas da Igreja. Ele chega acompanhado de uma
bela mulher, o que é errado para à igreja, pois um padre deve se conservar; e
gosta de festejar e lutar com espadas , tanto que chega com uma delas na praia.
Por ser autoridade espiritual na terra se acha no direito de ir para o céu, mas
é julgado ao inferno.
Uma alcoviteira - chamada Brísida,
que explora a prostituição. Basicamente uma cafetina que arranja encontros e
relacionamentos para os bispos da Sé. Ela chega com uma bolsa cheia de
pertences e entre eles há encantos para atrair homens e himens postiços, pois
acreditava-se que as mulheres virgens “valiam mais”. Ela é julgada e vai pro
inferno.
Um parvo - ou tolo, é um dos que vai
pro céu. É empregado do fidalgo que se aproveita dele. Por ser tolo ele não tem
consciência das atitudes que toma e depois de ficar vagando pela praia, ele
acaba por ir para o céu.
Um sapateiro - trabalho manual,
comerciante avarento que não empresta dinheiro a ninguém. Ele é julgado e vai
pro inferno também.
Um judeu - apegado ao dinheiro,
e julgado porém não condenado, por ser de outra religião. Ele chega com um
bode, o que tanto pode representar a avareza como um símbolo demoníaco, cujo
canto representa a tragédia. Os judeus eram vistos, já naqueles séculos, como estelionatários
e ricos. Chega com ouro e tenta barganhar a ida ao céu, mas por não ser cristão
e sim de outra crença ele é condenado ao inferno, mas não vai a lugar algum e
permanece a praia.
Um enforcado - que acredita já ter
pagado por seus pecados morrendo aqui na Terra e que por isso merece ir ao céu.
Há explicações em que ele é um criminoso que pagou por seus atos aqui, mas
outras dizem que ele se suicidou por enforcamento e que representa os suicidas.
Como tirar a própria vida é um pecado diante da Igreja Católica, pois ninguém
deve decidir quem vive e quem morre, ele vai pro inferno também.
Quatro cavaleiros - que lutaram nas
cruzadas e são os únicos personagens dignos, segundo Vicente, de ir para o céu.
Eles morreram lutando nas cruzadas contra os muçulmanos, defendendo sua fé nas
guerras santas, o que os faz merecer ir ao céu, pois lutavam em nome de Deus.
Após o parvo, eles embarcam na barca do céu.
Todos tentam provar que merecem a salvação, mas no fim apenas os cavaleiros e o parvo acabam indo para o céu ( esse último porque sendo tolo, não responde pelas besteiras que faz). Os cavaleiros entram na barca do céu pois estavam lutado contra os muçulmanos e assim defendendo os valores e princípios cristãos quando foram mortos. Vale notar que Gil Vicente era católico, então ele criticava as pessoas, mas sempre respeitava os dogmas religiosos.
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